Não é preciso repetir e é doloroso retomar o sofrimento e terror impetrados pela ação de um jovem pertubado, que tomado de surtos psicóticos, consumou mais um ato de brutalidade e truculência contra a vida de (pequenos) inocentes na cidade do Rio nesse ano de 2011.
A especulação de causas e motivos e o grito de por que são as reações menos exaltadas diante de inexplicável atrocidade. Na verdade qualquer resposta é inalcançavel e nos vemos limitados a meras cogitações. Seja como for, dentre todas as análises e dissertações, uma mais profunda me salta aos olhos.
O jovem Wellington Menezes, em meio a suas alternâncias de lucidez e bipolaridade, deixou indícios de onde talvez, pelo menos, ele esteve ao longo de sua vida, pedindo ajuda , buscando a cura para uma personalidade monstro, da qual a primeira vítima estaria sendo ele mesmo.
Wellington citara trechos bíblicos, falou de Deus, é fato que freqüentou a organização dos Testemunhas de Jeová, mas convenhamos, pela lógica, e atual conjuntura da realidade religiosa no Brasil, sim, o jovem Wellington mais do que provavelmente, esteve em algumas , ou muitas por que não, igrejas evangélicas.
Numa primeira instância, poderia se concluir que, bem, sim, ele visitou, esteve no meio evangélico, e se ainda assim, ele não se “salvou”, é porque ele não era “boa terra”, porque ele preferiu os “prazeres do mundo” a uma vida santa, dedicada a servir aos bons preceitos e doutrinas das igrejas onde esteve.
Sinceramente, acho essa uma explanação injusta e diria até cruel. Não pelo jovem, não o conheço, e talvez fosse mesmo verdade que ele não quisera seguir a Palavra em uma igreja.
Contudo, não seria absurdo, não seria irreal, se tudo que esse pobre jovem louco experimentou em suas empreitadas evangélicas, fosse algo completamente diferente ao que Jesus Cristo determinou para seus seguidores.
Convém sermos imparciais e realistas ao imaginar como teria sido cada contato dele, cada abordagem, cada demonstração do que é Cristianismo, segundo cada “vitrine” a qual recorreu.
Pode-se até mesmo traçar um roteiro, um pequeno relato (não irreal) de como tudo poderia ter ocorrido. Wellington, nascido de um lar problemático, com transtornos psicológicos, emocionais e por que não, espirituais, desde sua primeira infância, percebia um mundo distorcido e indiferente, às vezes cruel, tornando-o um anti-social e sociopata em potencial.
Ao decorrer dos anos, talvez, numa primeira vez, foi levado a um contato com o Evangelho, ali mesmo em uma igreja pequena, no seu bairro. Entrou, achou as canções bonitas, mas por que aquele homem gritava tanto? Por que falava tanto que sua bermuda o levaria para o inferno? Foram duas horas de muita gritaria, aquele homem de terno e gravata, na verdade, parecia ter raiva de algo. Wellington, em sua disfuncional percepção de realidade, se sentiu confuso, mas a raiva passada não era ruim, ele mesmo tinha muita revolta, e a imagem de um Deus furioso, pronto para aniquilar pecadores miseráveis lhe soava muito bem. Ali Wellington começava a construir a fundação de sua ideologia de ódio e raiva contra um mundo “dominado pelo mal”.
Dominado pelo mal, sim, a definição mais cabível diante do bullying de colegas de escola, diante da indiferença de garotas, diante da confusão em sua mente e diante da inexistência de alivio nos locais onde Wellington buscava ajuda.
Pouco tempo depois, Wellington teve mais um contato com uma igreja evangélica, ali não falaram de sua roupa, ou de seu cabelo, na verdade, um dos homens de gravata até lhe deu atenção, conversou, mas lhe deixou ainda mais confuso ao dizer-lhe que tudo que o mesmo necessitava para se curar e encontrar paz, era “dar seu tudo”, vender seus bens (se os tivesse), ira para a rua, vender água, enfim, no mínimo 1000 reais. Através de exemplos e citações descontextualizadas da Bíblia, o líder passou-lhe o antídoto para seu sofrimento.
Wellingotn ficou confuso. Já havia tentado trabalhar antes, mas sempre era humilhado, por sua mente lenta, por mais que se esforçasse, sempre algo saia errado, além de ser motivo de piadas o tempo todo, por ser calado, triste, deprimido. Como conseguiria tanto dinheiro?
Os meses e anos se passam, mais e mais contatos vão acontecendo com as diferentes doutrinas de igrejas. Dessa vez, Wellington esteve numa igreja bonita, cheia de gente bonita, carros caros no estacionamento, ele quase não entra, envergonhado com suas roupas simples, seu sapato Vulcabrás velho. Ali ele não foi mal recebido e a musica era de primeira qualidade. Porém, ele esperava ansioso, pelo mais importante. O que o homem de gravata iria falar, qual a solução que lhe dariam dessa vez?
O discurso começou e mais uma vez Wellington se viu confuso. Aquele homem não parava de dizer que “tem de se ganhar almas”. Que Deus nos criou para ganhar almas, que Deus está voltando, e ai daquele que não ganhar almas. Wellington perdeu a conta de quantas vezes escutou a frase “ganhar almas”. Em sua mente confusa, chegou a pensar que talvez houvesse uma loteria, um bingo, onde se pudesse “ganhar almas”, tal era a insistência do homem de gravata em que temos de ganhar almas. Mas uma vez, se viu frustrado, no fundo, ele pensava: ...”não ganhei nem minha alma, como vou ganhar a dos outros, e quem é Deus? estranho... Ele me criou só pra ganhar almas... não entendo... é para isso que existo simplesmente, para ser uma máquina de ganhar almas? Todos riem de mim, na escola, em casa, no trabalho... como vou ganhar suas almas?
Por último, Wellington conheceu os Testemunhas de Jeová, organização chamada de seita por muitos, com uma doutrina impermeada de polêmicas. Cristo não é Deus, segundo eles, pecado mortal doar sangue (é melhor deixar um filho morrer, do que cometer a atrocidade de lhe doar sangue, caso preciso). Cristo não morreu em uma cruz e o Espírito Santo é somente uma energia que flui de Deus. Bom, confusões e mais confusões doutrinárias a parte, infelizmente, Wellington se viu identificado com algo em tal organização e talvez ali desprendeu maior parte de seu tempo.
È sabido que desde sua fundação nos Estados Unidos, os Testemunhas de Jeová vivem em estado de ansiedade constante, aguardando a volta inesperada do “homem perfeito, o segundo Adão”, Jesus Cristo, para julgar o mundo e destruir todos os maus. No século 19, por várias vezes marcaram datas para essa volta, levando muitos ao desespero, a vender bens e tomar atitudes absurdas e inconseqüentes. Com os Testemunhas de Jeová, talvez, o golpe final numa mente enfraquecida, frustrada diante da ausência de resposta em tantas igrejas a que assistiu, ali infelizmente, aumentou ainda mais sua raiva e rancor do mundo e de todos e a imagem do Deus Jeová, que a qualquer momento iria abrir as nuvens e destruir implacavelmente todos os maus (especialmente os maus que tanto lhe humilhavam), foi a que mais lhe supriu e falsamente deu-lhe a impressão de preencher o vazio de uma alma triste e amarga demais.
Uma mente e alma doentes, alimentados pela confusão e religiosidade disfuncionais de algumas igrejas e seitas, fórmula eficaz e mortal para se criar uma tragédia...
Estudos demonstram que no mais profundo do coração de cada criança, existe um clamor por aceitação, aprovação. Algo mágico acontece quando um pai diz para seu menino: “Filho, papai é tão orgulhoso de você”. Ou quando um pai diz a sua menina: “Você sempre será minha filha favorita, eu te amo demais”.
È pena, muita pena, que o jovem Wellington, não encontrou um jovem Galileu, que andou pela terra há muitos séculos atrás. Que era terno, manso e humilde. Que falava com autoridade, mas falava com amor. Que reunia pequenos grupos e reunia multidões, mas que levava a todos uma mensagem simples, simples demais: Deus te ama amigo, o mundo pode dizer o contrário, os amigos, a família, a vida, todos às vezes são cruéis e injustos, mas Eu te amo. Venha, vamos fazer tudo novo, tudo de novo, vem, Eu sou sua paz, tudo o que mais quero, Eu somente te criei, para ser muito, muito feliz...
A mensagem do jovem Galileu continua a ecoar, a sussurrar nos corações, infelizmente, não numa parte muito grande das igrejas, mas graças a Deus ainda continua, numa parte menor. O triste é que infelizmente, nessa vida, muitas vezes, para alguns “Wellingtons” será tarde demais para se encontrá-las.
Ray Oliveira