No livro Confissões lançou esta questão: "Que é, pois o tempo"? (XIV, 17). Ele vê na sucessão temporal uma marca da impotência humana, da miséria do ser racional diante do infinito poder do Ser Supremo. O caráter instintivo do conhecimento humano do tempo mostra bem os limites de sua noção sobre este assunto. Trata-se de algo muito familiar, dado que cada um vive no tempo, mas que, vertiginosamente, lhe escapa. O tempo resiste a uma explicação porque é inconcebível. Ele inscreve sua essência na fuga. Ninguém, a não ser Deus, o pode compreender e árduo é para o homem tentar conceitualizá-lo. Intuí-lo é o máximo que está ao alcance da inteligência. Cumpre, porém, tentar captar qual é a qüididade desta intuição. É preciso, antes de tudo, retornar à distinção entre o passado, o presente e o futuro. Aí surge de imediato um impasse, pois o passado não é, dado que não está presente. Assim também o futuro, uma vez que não existe ainda, é provável. Resta o presente que flui, contudo, inexoravelmente. Os latinos diziam: Fugit irreparabile tempus - foge o irreparável tempo, como bem se expressou Virgílio (Geórgicas III, 284). O presente é algo real que não se estabiliza nunca. Deste modo, o movimento caracteriza o tempo, é seu modo de ser. Por isto, das coisas e dos seres vivos que lhe estão submissos se diz que tudo é contingente: existe, poderia não existir e tende a desaparecer. Tudo que começa propende a acabar. O que nasce está fadado a perecer. Este aspecto Agostinho assim o sintetizou na Cidade de Deus: "O tempo que se vive diminui a própria vida e não passa de uma trajetória para a morte; com efeito, todo ser vivo está fadado a morrer, dado que, desde a origem, a morte atenta contra sua vida. Daí sua assertiva em Confissões: "Podemos afirmar que o tempo é o que tende a não mais ser" (XI, 14). Como o tempo é um movimento perpétuo, cumpre distingui-lo da eternidade. São dois opostos. Um se contrapõe ao outro como a instabilidade à constância. A eternidade é estática, imutável, estável. A eternidade não conhece nem princípio, nem fim, ao passo que o tempo não cessa de começar e de acabar. Miséria do homem que está imerso no tempo; grandeza de Deus que existe desde toda a eternidade. A Moisés Ele afirmou: "Eu sou aquele que é" (Ex 3,14).
Eis o que então diz Agostinho ao Ser Supremo: "Os vossos anos são tomo um só dia, e o vosso dia não se repete de modo que possa chamar-se cotidiano, mas é um perpétuo "hoje", porque este vosso "hoje" é a eternidade" (XIII, 15) O ser racional vive um presente mutável, fugaz, ininterruptamente incerto, eternamente irreversível. O não-ser do tempo chancela a limitação humana. A humanidade vive a inconstância temporal. Donde a eventualidade que cerca quem existe. O tempo escapa inteiramente à jurisdição do animal racional por causa de seu irreversível dinamismo que o faz irredutível. Tal é a condição humana: somos corruptíveis e finitos e somente Deus é eterno. Segundo Santo Agostinho, porém, pela memória, de certo modo, se supera o tempo, dado que pela lembrança do passado se pode ir contra a corrente do movimento temporal. Trata-se de se trazer o passado para o presente e, até mesmo, se pode fazer uma previsão com relação ao futuro. Daí Agostinho falar do "presente do passado", do "presente do presente" e do "presente do futuro". A memória como que retém o tempo, eternizando, de certo modo, o instante vivido e antecipando o porvir. Agostinho exalta, portanto, o poder da memória sem a qual nada se poderia imaginar nem conhecer, compreender ou apreender. Diz ele: "O pretérito longo outra coisa não é senão a longa lembrança do passado"(XI,28).. O homem que possui a memória detém a capacidade de criar sua própria duração interior, que é uma equivalência de tempo, da qual ele é o senhor. A reminiscência faz existir o passado no presente e, pela projeção, até mesmo o futuro. Trata-se de uma atividade do espírito que transcende o tempo. Tudo isto infunde um otimismo antropológico de grandes proporções. O homem, de fato, finito, limitado, possuindo uma alma espiritual, participa, assim, do próprio eterno "hoje" de Deus! O tempo torna-se um sinal de eternidade.
ATUALIDADE DE SANTO AGOSTINHO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho-Professor no Seminário de Mariana – MG